quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Habeas Pinho


Em 1955, em Campina Grande na Paraíba, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês

de Junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. Decepcionado o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da Faculdade e que também apreciava uma bela seresta.
Ele peticionou em Juízo para que fosse liberado o violão.
Aquele pedido ficou conhecido como Habeas-Pinho e enfeita a parede de escritórios de muitos advogados e bares de praia no Nordeste.
Mais tarde, Roberto Cunha Lima foi eleito Deputado Estadual, Prefeito de Campina Grande, Senador da República, Governador do Estado e Deputado Federal.


Eis a famosa petição:


HABEAS PINHO
Exmo Sr.
Dr. Artur Moura
Meritíssimo Juíz de Direito da 2ª Vara desta Comarca

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contraversão
Não é faca, revolver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!

O violão é sempre uma ternura
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando assim, suas próprias dores.

O violão é música e canção.
É sentimento de vida e alegria.
É pureza e néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório
Porém o seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua
E não para ser arquivo de cartório.

Mande soltá-lo, por amor da noite
Que se sente vazia em suas horas
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, doutor Luiz
Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores
Parambular na rua um desgraçado
Derramando nas ruas as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos
Na certeza de seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes termos, vem pedir deferimento.

Assinado:
Ronaldo Cunha Lima
Advogado

Em resposta, o Juiz Roberto Pessoa de Souza, por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do Poeta:

Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação
Verbero o ato vil, rude e perverso
Que prende no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso.
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras
Que volte à rua, em vida transviada
Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
 Venha tocar à porta do Juíz.

Sites pesquisados: http://portalcorreio.uol.com.br/politica/politica/poder/2012/07/08/NWS,211697,7,389,POLITICA,2193-HABEAS-PINHO-POEMA-MARCOU-VIDA-POETA-RONALDO-CUNHA-LIMA.aspx